Dia das professoras e professores: a melhor homenagem é a luta!
O dia 15 de outubro é conhecido nacionalmente como o dia das e dos professores. Mas o que temos a comemorar nesta data?
A categoria docente, de Norte a Sul do país, vem sendo alvo de duros ataques tanto no plano discursivo quanto no plano material – com retirada de direitos, substituição de concursos públicos por contratos temporários, assédio moral, desmoralização, falta de participação em decisões que afetam diretamente seu trabalho, entre outras coisas. Quando protestam contra essa situação, na maioria das vezes são recebidos com bombas, balas de borracha, spray de pimenta e cassetetes pelo braço armado do Estado.
Esses ataques têm se aprofundado diante da crise sanitária, em que os de cima impõem às e aos professores duas alternativas igualmente ruins: adequar-se a um regime de trabalho remoto, que já se demonstrou ineficaz em proporcionar condições dignas de ensino-aprendizagem, e o retorno às aulas presenciais, que coloca em risco a vida de toda a comunidade escolar: professoras/es, funcionárias/os, estudantes e suas famílias.
Do nível básico ao superior, no ensino público e privado, as e os professores foram obrigadas/os a se adaptar a um ensino remoto precário e improvisado, implantado, na maioria dos casos, sem o consentimento das comunidades escolares e acadêmicas e sem levar em conta as condições inadequadas de trabalho e de estudo que são a realidade de muitas casas de professoras/es e estudantes precarizadas/os. Na realidade, o chamado ensino remoto é algo ainda mais precário que a já precária educação à distância, a ponto de algumas entidades e movimentos populares usarem a expressão “interação remota” ao invés de ensino remoto, já que é impossível realizar um trabalho digno de educação com tais ferramentas precarizadas.
Algumas das consequências do regime de trabalho remoto têm sido não conseguir sanar de forma adequada as dificuldades de aprendizado enfrentadas pelas/os estudantes ou mesmo saber que parte delas/es não está conseguindo acompanhar o desenvolvimento da disciplina por impossibilidade de acesso. Além disso, o trabalho remoto passou a significar, para muitas e muitos professores, trabalho em tempo integral e prejuízo para sua saúde mental, o que agrava o já alarmante adoecimento da categoria.
É importante ressaltar que as plataformas dessa interação remota são produzidas por empresas privadas ou grandes conglomerados da educação e da tecnologia que possuem objetivos de captar dados de milhões de discentes e docentes, assim como trabalham para a mercantilização e privatização da educação. Os relatos frequentes das e dos professores atestam que as plataformas não servem para a realidade precária da classe trabalhadora brasileira.
O Ensino à Distância (EaD), para além dos objetivos já amplamente discutidos de precarização e privatização da educação, também aprofunda os ataques à categoria docente: o EaD possibilita um maior número de alunos por turma e, consequentemente, um menor número de professores contratados. Exemplos disso foram os inúmeros casos de demissão em massa de professoras e professores de faculdades privadas durante a pandemia, o que tende a se aprofundar com a já anunciada redução das graduações presenciais¹ pelos oligopólios do ensino superior privado.
Cabe destacar que um dos principais alvos do EaD é justamente a formação docente, ou seja, os cursos de Pedagogia e Licenciatura, que cumprem a função de capacitar professoras e professores (com o menor custo possível) para a tarefa de formar as e os profissionais precarizados do futuro. Para isso, nada melhor do que oferecer às e aos futuros docentes uma educação mais aligeirada e de menor qualidade, em que não haja estímulo ao pensamento crítico, mas sim à reprodução de um sistema que também os explora. Por isso, o EaD também cumpre com o objetivo de despolitização e desmobilização da categoria docente.
Para além dos ataques já mencionados, as e os docentes também enfrentam ataques no plano discursivo e ideológico produzidos desde o campo neoliberal até o campo conservador, que se aliam na tentativa transformar as e os educadores em meros instrutores, que devem se limitar a repassar conteúdos exigidos pelo mercado de trabalho. Ainda que estejam localizados no plano discursivo, esses ataques também geram implicações na formulação de políticas públicas voltadas para a educação. Produz-se um certo tipo de subjetividade entre docentes e estudantes que esvazia o sentido crítico e integral da educação e coloca o tema do ensino como parte de uma discussão “técnica” e não política, social, pedagógica.
De um lado, o Banco Mundial, por meio do relatório “Um Ajuste Justo: Uma Análise da Eficiência e da Equidade do Gasto Público no Brasil”², atribui os problemas da educação brasileira a uma “baixa qualidade dos professores”: o desprestígio da profissão estaria relacionado à falta de requisitos para ingressar em cursos de licenciatura e para contratar professores e não à falta de investimentos nas redes de ensino e na formação docente inicial e continuada, com melhorias nos planos de carreira e salários.
No relatório, o grupo responsabiliza as e os docentes pelo baixo desempenho das escolas em avaliações de larga escala e pelos altos índices de reprovação e evasão entre as e os estudantes. Segundo eles, questões como a necessidade que as e os jovens se responsabilizem cada vez mais cedo pelo sustento ou pelo cuidado da casa não são determinantes para justificar estes números, mas sim questões como a baixa razão aluno-professor (ou seja, o número de alunos por turma deveria ser elevado), a baixa produtividade dos professores (que deveriam dedicar mais tempo a atividades em sala de aula, reduzindo a hora-atividade), o número excessivo de professores (que seria resolvido com contratos mais seletivos e menos estáveis e não repondo professores que se aposentarem com novos concursos). Além disso, o Banco Mundial vê com maus olhos os “generosos” planos previdenciários dos professores e a progressão de carreira que os possibilita ganhar mais que o defasado piso salarial: a defesa do Banco Mundial é que a remuneração docente esteja vinculada ao desempenho das escolas, o que incentiva conflitos entre a categoria.
Lembramos que o Banco Mundial é um dos principais entes privados que se articulam em redes com o objetivo de tensionar a formulação de políticas públicas segundo seus interesses e, portanto, possui influência no gerenciamento da educação brasileira. A própria Lei 13.415/17 que reformou (ou melhor, deformou) o Ensino Médio e a formulação da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) são exemplos de políticas educacionais gestadas no campo empresarial – que, inclusive, passaram a permitir que parte da carga horária do Ensino Médio (sobretudo na modalidade EJA) possa ser realizada à distância, abarcando atividades consideradas como “trabalho supervisionado”.
Por outro lado, grupos apoiadores do Escola Sem Partido e seus representantes no Congresso Nacional e nas Casas legislativas estaduais e municipais promovem uma desmoralização da categoria docente, atribuindo às e aos professores o papel de corruptores em potencial, seja promovendo “doutrinação comunista” ou propagando a chamada “ideologia de gênero” entre as e os jovens. Esses grupos conservadores defendem que as e os professores devem ser permanentemente vigiados, controlados e punidos e reduzem o fazer docente a uma mera reprodução de conteúdos entendidos como neutros e objetivos.
Por trás da ideia de uma educação “neutra”, no entanto, reside uma educação que naturaliza e reproduz a ordem vigente, que é incapaz de intervir no mundo e que, portanto, é cúmplice das injustiças e violências que nele ocorrem. Nós, por outro lado, defendemos as potencialidades da educação enquanto ferramenta de leitura e intervenção na realidade, disseminadora do desejo de transformá-la e de pôr fim definitivo a toda forma de dominação.
Ao criminalizar toda teoria e prática pedagógica que visa colaborar para que as e os estudantes construam suas próprias visões de mundo de forma crítica e autônoma, esses projetos cerceiam a liberdade de cátedra e, por isso, ficaram conhecidos como “leis da mordaça”.
Mesmo que ainda hoje não tenhamos uma legislação a nível nacional que coloque os objetivos de censura aos docentes do Escola Sem Partido em prática, não são raros os discursos advindos de figuras públicas que incentivam a denúncia contra professoras e professores apontados como “doutrinadores”, que têm que conviver com o constante medo de sofrer assédios de estudantes e familiares por simplesmente cumprirem com a sua função de educadoras/es. Essa situação leva à autocensura e contribui com o adoecimento da categoria, além de tender a se agravar com a virtualização do ensino – que amplia as possibilidades de monitoramento e controle do trabalho docente. Conservadorismo e neoliberalismo, portanto, se complementam nesse duplo ataque sofrido pela educação. Enquanto o primeiro grupo persegue os educadores no campo ideológico, o segundo atua principalmente pra esvaziar e precarizar a já tão sofrida educação.
Como apontamos, os desafios impostos às e aos trabalhadores da educação são enormes, o que exige respostas à altura. Felizmente, não nos faltam exemplos de históricas mobilizações no campo da educação que nos apontam o caminho para as vitórias que almejamos: não há saída fora da luta coletiva, construída desde a base e unindo professoras/es e estudantes na defesa de uma educação para o povo. É necessário fortalecer as assembleias das entidades sindicais e estudantis da educação pública e privada para construir uma saída que vá além dos marcos da disputa jurídica, mas faça com que um amplo movimento de resistência e luta popular em defesa da educação tome conta do nosso país.
Por isso, a Coordenação Anarquista Brasileira entende que a melhor homenagem às professoras e professores é somar-se nesta luta.
Apenas construindo ferramentas de organização que rompam com a desmobilização e a burocratização e que impulsionem as lutas autônomas e combativas que a conjuntura exige nós conseguiremos acumular força social suficiente para alterar a atual correlação de forças dentro e fora do campo da educação.
Professor/a lutando também está educando!
Construir desde baixo a resistência!
Coordenação Anarquista Brasileira
outubro de 2020
Notas:
1. Cogna Educação, maior empresa de ensino privado do Brasil, anuncia corte em cursos presenciais de graduação. https://valorinveste.globo.com/mercados/renda-variavel/empresas/noticia/2020/08/24/cogna-vai-reduzir-graduacao-presencial.ghtml
2. O relatório “Um Ajuste Justo: Uma Análise da Eficiência e da Equidade do Gasto Público no Brasil”, de 2017,é resultado de um estudo encomendado em 2015 pelo ex-ministro da Fazenda do governo Dilma, Joaquim Levy, cujo objetivo era indicar alternativas para reduzir o déficit fiscal brasileiro através do corte de gastos públicos. http://documents1.worldbank.org/curated/pt/884871511196609355/pdf/121480-REVISED-PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf