[FARPA-AL] Nossos direitos no balcão de negócios: o modo de operar de Arthur Lira e o “Centrão”
A atenção em Brasília se volta ao Centrão, diante de movimentações tão típicas quanto ilustrativas de sua forma de operar, seu objetivo fisiologista que sequer faz um esforço de disfarçar a gana de acumular usando os direitos da população. Não faz muito tempo que seu atual líder, também presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP), tentou sem sucesso emplacar a votação da Proposta de Emenda à Constituição que garante maior imunidade parlamentar, dificultando a prisão de deputados e senadores em uma série de situações. Não bastasse ser uma aberração, a PEC da Impunidade é uma pauta alienígena descendo sobre um país que hoje conta os seus mais de 260 mil mortos pela covid-19, tem um dos piores desempenhos do mundo no combate à pandemia, e não consegue sequer cumprir sua irrisória e confusa meta de vacinação.
Arthur Lira não anda só e não é o único cujo modo de operação se restringe em negociar recursos públicos, direitos do povo e blindagem de cúmplices engravatados em prol de acumulação de riqueza e poder. Ruralista e empresário, o alagoano começa sua trajetória ainda em 1993 na política, como vereador em Maceió. Desde então cria raízes na carreira parlamentar, passando pela Assembleia Legislativa de Alagoas, mas fincando os pés na Câmara Federal, ocupada de 2011 até hoje. Com passagens mais breves no PFL , PTB e no PSDB, foi no PP – hoje Progressistas – que Lira encontrou terreno mais fértil para executar os planos.
Aqui situamos Brasília como o gabinete para uma extensão e acúmulo de poder que precisam ter uma raiz para propagação. As possibilidades são grandes diante de um território continental, embora as fatias, quase todas, já estejam predispostas sob a dominação de alguns sobrenomes. Arthur Lira sabe disso e vai buscando garantir suas raízes em Alagoas, tendo seu partido à frente de 29 cidades. Com 47% de sua população vivendo na pobreza (IBGE, 2020), a maior desigualdade de renda do país (FGV, 2019) é ideal para a operacionalização em municípios que – sem possibilidade de sustentação – são posicionados com intensa dependência de verbas federais. O toma-lá-dá-cá vai de calçamentos e tratores à construção de prédios públicos, através de verbas parlamentares, em troca de apoio, permutas e sustentação do cargo em Brasília.
As relações de poder ao longo da história alagoana também não se desvincularam à dominação das oligarquias. Arthur Lira é conhecedor dessa dinâmica, como seu pai Benedito de Lira, atualmente prefeito da Barra de São Miguel. Ambos tiveram seus nomes publicizados por indício de corrupção na Operação Lava-Jato. Lira também responde a pelo menos cinco processos no STF, sendo também apontado por corrupção passiva.
A aproximação com Bolsonaro é o que vem rendendo mais evidência neste último ano. Os holofotes colocam Arthur Lira como o salvador do presidente que teve a imagem fragilizada por performances desastrosas, desmantelo e incompetência executiva, e obviamente falta de zelo com seus antigos aliados da direita. O Centrão virou seu pé de sustentação para conseguir terminar o mandato com alguma influência no Congresso e tentar blindar as acusações de sua participação com a milícia.
Se o parceiro e antagonista de Lira, Rodrigo Maia, declara que o “Centro” não é o que fica entre a direita e a esquerda “e sim outra coisa”, aqui dizemos com certeza sobre que coisa é essa: é o lugar da direita que retira a carne do povo usando roupagem dos “acordos”.
Assim, a extrema direita a qual Bolsonaro emergiu não se ampara apenas em suas performances ideológicas escabrosas, ou no recorte mais escancarado e extermínio das condições mais básicas do povo. Ela também encontra o suporte nessa outra direita, que poupa a energia dos discursos ideológicos mais afrontosos colocando-a em outros tipos de práticas escandalosas: a negociação de direitos. Vem sendo assim com a aprovação de reformas, como a reforma trabalhista, a reforma da previdência, e agora – na brincadeira da corrida maluca – avançando com a reforma administrativa.
Nossa briga por direitos não cabe no parlamento
Ainda que se colocando no lugar onde os “adultos brincam”, o Centrão é amostra ainda mais escancarada de como a perpetuação das relações de poder neste regime se dá à revelia do povo. É o lugar que nos entrega de bandeja mais uma comprovação de que as eleições, como diversas outras movimentações na disputa representativa, tratam-se de negócios. Revolta perceber como parecem sagazes as artimanhas políticas dos abutres engravatados que nos arrancam as chances de uma vida digna.
Transformemos esse cansaço político em um punho cerrado sob a certeza de que mais vivazes ainda somos nós, enquanto povo, na construção diária de tantas tecnologias de resistência. Neste sentido, bem sabemos que resistir não é o bastante. Tampouco é suficiente confrontar este ou outro exemplo macabro que sai de nossas terras para acumular poder se esbaldando com a riqueza coletiva que produzimos, nos afogando em mazelas. Almejamos e defendemos mais do que isso: trata-se de acabar com o sistema econômico capitalista e o regime político representativo que funciona especialmente para permitir a criação dessas figuras.
Enquanto anarquistas especifistas, propomos a construção de uma nova sociedade que se estruture sobre a impossibilidade de se operar acordos e negócios sobre os nossos direitos. Para nós, essa finalidade só pode começar com a construção do poder popular, mediada pela democracia direta. Ou, como já mencionamos em um outro período:
“Construir um povo forte em Alagoas é também afirmar uma identidade popular e um novo modo de perceber e se sentir pertencente a uma história e uma cultura, não aquela criada pelas elites, do alagoano condenado à resignação e ao sofrimento. Mas outra: uma identidade e uma história que deve fazer os lutadores de hoje herdeiros dos lutadores de ontem. Do quilombo palmarino e dos demais quilombos afirmando sua liberdade e capacidade política, da luta dos povos originários, indígenas, caetés, afirmando sua soberania, dos cabanos afirmando sua ousadia. Destes para os campos, para as periferias, para a organização do trabalho, da sociedade na perspectiva de construção do Poder Popular” (Alagoas e a construção do Poder Popular)
Federação Anarquista dos Palmares
Alagoas, março de 2021