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DAS MENTIRAS DOS MILICOS REPETIDAS DE 1964 ATÉ HOJE: ABAIXO AO GOLPE DAS ELITES E A TUTELA DOS MILITARES

DAS MENTIRAS DOS MILICOS REPETIDAS DE 1964 ATÉ HOJE: ABAIXO AO GOLPE DAS ELITES E A TUTELA DOS MILITARES

31 de março e 1º de abril. Ao contar a história, os militares mentem para escapar da ironia das classes populares. Os generais chamam o golpe de 1º de abril de 1964 de revolução redentora e ato patriótico, articulado com a burguesia brasileira entreguista das riquezas construídas por quem trabalha, em conluio com o imperialismo dos Estados Unidos da América. A partir dessa data, implantou-se um regime de vinte e um anos de medo, perseguição, repressão, sequestros, torturas, mortes e desaparecimentos. Vinte e um anos de um regime de cunho anti-povo, racista e LGBT+fóbico.

Segundo a Comissão Nacional da Verdade, foram 191 mortos e 243 desaparecidos políticos  pelo Estado brasileiro durante os 21 anos de ditatura empresarial-militar e nos anos que antecederam o golpe – mas já embalados pelo o que viria. Nesse contexto, estão estudantes, trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo, militantes de organizações revolucionárias, religiosos, pessoas com cargo político antes eleitos na democracia representativa. Do norte a sul desse território, temos registros de companheiros e companheiras vítimas de torturas, muitos foram mortos e até hoje não tiveram seus corpos encontrados. 

A ditadura empresarial-militar foi um regime anti-povo e que enriqueceu as elites que viram nas forças armadas uma maneira de seguir com seus ímpetos coloniais, perpetuando a desigualdade nas cidades e os latifúndios no campo, assim como a impossibilidade de pessoas gays, lésbicas, bissexuais, trans e travestis se organizarem e viverem de forma digna, fortalecendo o ciclo de violência que esse setor da população já sofria historicamente. Além disso, desde sua gênese, temos nas forças armadas uma instituição a serviço da guerra racial e do genocídio da população negra: desde João Cândido e a recusa da chibata até os 80 tiros em Evaldo Rosa dos Santos no ano de 2019. Politicamente, durante as décadas de ditadura, os movimentos de organização do povo negro foram perseguidos, no medo da criação de uma organização tal qual os Panteras Negras nos Estados Unidos.

Na fome de devorar as terras do país, espalhar o lucro e colher “milagre econômico”, a ditadura empresarial-militar promoveu um massacre de povos indígenas, que tal qual uma parcela da população negra não figura no número de mortos e desaparecidos políticos. 

A obsessão dosmilicos pela unidade cultural e territorial da “nação” fez dos povos povos originários inimigos do regime, lógica que segue vigente nas forças armadas atualmente. O que se viu nos territórios indígenas entre 1964 e 1985 foi um cenário de genocídio subordinado ao desenvolvimento econômico, com cerca de 8mil indígenas mortos durante o período. Os Waimiri-Atraori foram quase dizimados nesse período; houve centenas de mortes de Parakanã, Araweté e quase metade da população Yanomami, em construções como a BR174 (Manaus-Boa Vista) e da BR230 (Transamazônica), fora os territórios retirados das populações na construção de hidrelétricas e na expansão do agronegócio. 

Abordar os sessenta e um anos do golpe de 1964 não é apenas tratar do passado, é levantar questões pertinentes sobre o presente. Afinal, ao longo de toda a experiência republicana, os militares foram os braços armados dos patrões — nas ruas, nas praças, nos gabinetes e nos aparelhos repressivos desconhecidos pela sociedade, como as casas de tortura e assassinato. Em 2025, completam cinquenta anos de 1975, um ano-chave para a repressão da ditadura contra setores da oposição comunista, com a Operação Barriga Verde em Santa Catarina, a Operação Marumbi no Paraná, o assassinato de Vladimir Herzog e a oficialização da Operação Condor, que articulou a repressão entre Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

Com a inflação anual de 29,48%, o aumento do custo de vida para os mais pobres instigava a revolta. A repressão nos bairros, morros, favelas, chão de fábricas e universidade continuava, ao passo que nossa gente desde abaixo construía formas de sobreviver através da organização popular.

Cresciam os movimentos sociais nas periferías; o ressurgimento do sindicalismo nas fábricas; O Movimento Negro Unificado (MNU) lançando suas bases em pleno 1978; A partir de 1980 tivemos também o Grupo Gay da Bahia que passou a noticiar os crimes da ditadura contra a população LGBTQIAP+.

Com o processo de abertura para a democracia burguesa, a investigação dos crimes cometidos pela Ditadura Empresarial-Militar (1964-1985) avançou a passos lentos. A criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011, e a entrega do relatório final em 2014, mesmo com a pressão de movimentos sociais, historiadores, e familiares de torturados, mortos e desaparecidos, mantiveram o tom conciliatório dos governos Lula e Dilma, do PT. No terceiro mandando de Lula, o medo da caserna parece ressoar com força: a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, por exemplo, criada em 1995 e extinta ao apagar das luzes do governo Bolsonaro, demorou quase dois anos para ser reinstituída. Tudo caminha muito lento nos ritos institucionais pelo mínimo de dignidade aos nossos mortos e desaparecidos. Tivemos o direito à memória e à verdade, mas a justiça foi parcialmente alcançada, considerando que a Lei da Anistia de 1979 continua a perdoar os torturadores de ontem, da mesma forma que as empresas privadas beneficiadas pela ditadura militar continuam a lucrar.

A anistia irrestrita de 1979 ainda colhe seus frutos podres nos dias de hoje: o movimento golpista que se radicalizou imediatamente após o segundo turno das eleições de 2022, com o ápice em 8 de janeiro de 2023, teve financiamento grosso de entidades patronais, do agro, do comércio e o trabalho de inteligência de oficiais das Forças Armadas. A memória do 1º de abril de 1964 e o 8 de janeiro de 2023 confirma que o golpismo nunca foi um estranho na história política brasileira. A república foi montada a base de golpes, e a democracia burguesa que conhecemos sempre governou com a exceção para alguns setores da população. O colonialismo plantou com a escravidão uma estrutura racista e violenta que formou o Estado brasileiro e as práticas de governo do capitalismo nesse território periférico. O golpismo vive no porão do Estado, de forma latente e entranhada. 

Com toda certeza queremos Justiça, Memória e Verdade, mas o judiciário é um elemento conservador do poder político burguês que tem essa função de acomodar todo conflito social nas regras do jogo do sistema. A lei burguesa não nos garantiu justiça após a ditadura empresarial-militar, nem deve nos garantir nos dias de hoje. 

Nós, da Coordenação Anarquista Brasileira, mantemos uma posição firme de dizer NÃO ESQUECEMOS OS TORTURADORES E VIOLADORES de fardas e os financiadores dos 21 anos de terror enfrentados pelo povo. Pois os algozes permanecem na atual conjuntura da luta de classes do Brasil, em que a população pobre, negra, indígena, LGBTQIAPN+ e todos os setores oprimidos nesse sistema de morte são alvos das forças armadas e do Estado a serviço das elites nacionais. Na luta contra os milicos, os empresários e o bolsonarismo é preciso organização popular e luta numa frente que reúna as classes oprimidas com pautas de liberdade, igualdade e solidariedade. Só assim, desde abaixo, é que vamos varrer o golpismo e as políticas neoliberais de arrocho social e repressão que invocam desde sempre uma ameaça a vida de nossa gente.

NUNCA ESQUECER, NUNCA PERDOAR!

CONTRA O GOLPISMO, ORGANIZAÇÃO POPULAR E LUTA DESDE ABAIXO!

NEM MILICOS, NEM PATRÕES: NÃO HÁ SAÍDA FORA DO POVO!