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AS E OS ANARQUISTAS VOTAM?

Nota do Anarquismo organizado sobre as eleições municipais de 2024

Mais um ano de eleição se aproxima e se agitam de novo as diferentes frações do sistema, os partidos, as diferentes correntes políticas e as estratégias de campanha de todas as cores e todas as siglas. Como a cada dois anos, o futuro das cidades e dos territórios aparenta estar nas mãos do povo através de candidatas/os e de planos de governo. Nesse sentido, não raro nos fazem as mesmas perguntas: AS E OS ANARQUISTAS VOTAM? COMO VOTAM AS E OS ANARQUISTAS?

Há mais de 150 anos, nós, anarquistas, votamos em todas as oportunidades e em todas as eleições nos movimentos sociais e populares. Votamos nas assembleias e nas reuniões, nos piquetes e nos comandos de greve, nas articulações entre movimentos e nas eleições sindicais… Sempre que o povo organizado vota para decidir os rumos das suas organizações e do seu futuro, nos engajamos e participamos.

Defendemos um sistema e um mundo com ainda mais momentos de votação: um mundo de democracia direta e radical, feito de baixo para cima, onde todas as decisões que envolvem nossas vidas e nossos futuros sejam decididas por nós mesmas/os, em votações nas quais nossas vozes, anseios e necessidades tenham espaço e possam ser decididas pelas nossas próprias mãos.

Nas eleições para os parlamentos e os palácios, nas urnas do Estado burguês, não participamos. Nos abstemos de votar nos candidatos e candidatas porque, ganhando quem ganhe, o sistema político dos de cima não está em disputa, não pode ser melhorado pelo voto e não pode ser reformado pelas vias que o próprio Estado disponibiliza para se legitimar. 

Todos os anos de eleição, os partidos e movimentos políticos se retiram ou enfraquecem os espaços de luta, deixam de construir a luta sindical, estudantil e comunitária – quando não fazem isso de forma ativa, boicotam greves e ações de luta popular para “não atrapalhar” o processo eleitoral.

Militantes e movimentos populares baixam suas bandeiras e rifam suas posições históricas para parecerem mais bonitos e apresentáveis aos olhos do Estado e dos de cima. Os partidos da ordem constroem alianças, esquemas e conchavos em troca de dinheiro e tempo de televisão para continuar nos mesmos espaços de poder de sempre.

As eleições burguesas são uma farsa que mascara a continuidade do Estado e do capital fingindo oferecer opções para o povo decidir. Na prática, candidaturas populares e radicais não têm espaço nem viabilidade e, para vencer, os partidos se adaptam e se vendem para sentar na mesa dos ricos.

São tempos de emergência climática e nenhum recuo das direitas contra nossos direitos se avizinha. O vício e a mira constante nas urnas como solução para os nossos problemas são um terreno fértil para a manutenção deste pesadelo neoliberal em que nos enfiaram os últimos anos de democracia burguesa.  A  conciliação é a máscara de bonzinho que o capitalismo veste quando a farda fascista ficou suja demais. 

A democracia burguesa é um regime de direitos no qual o poder e a riqueza das classes dominantes são sempre mais decisivos do que os votos do povo. Qual é a liberdade de escolha de um sujeito que sofre a pressão concreta da pobreza e todas as privações econômicas e culturais desta condição? 

Para o velho anarquista Bakunin, “o voto, enquanto seja exercido em uma sociedade em que o povo, a massa dos trabalhadores, esteja economicamente dominada por uma minoria detentora da propriedade e do capital […], não poderá nunca produzir mais que eleições ilusórias, antidemocráticas e absolutamente opostas às necessidades, aos instintos e a vontade real dos povos.”

Escolher e construir candidaturas como única forma de fazer política não é um erro tático porque nos atrasa, mas porque nos leva mais rápido pro abismo. O povo pode votar em quem quiser em todas as eleições, mas é preciso deixar nítido e sabido que as eleições não nos servem para mudar as coisas.  

Os de cima organizam as regras e os recursos, escrevem as condições da disputa, escolhem os participantes, controlam os meios de comunicação, enquanto a gente só assiste. É preciso virar a mesa deste jogo.

Em 2024, as eleições nas cidades acontecem depois de 2 anos de um governo federal de esquerda que aprofundou o projeto liberal, aumentou os subsídios ao agronegócio, normalizou o ajuste fiscal contra as e os pobres e sufocou as críticas que o povo tem feito, enquanto se alia com a direita e joga fora as mínimas pautas das e dos de baixo.

A ampla aliança política que levou à derrota (somente) eleitoral de Bolsonaro  criou uma situação tipicamente peculiar: um governo que engloba todo mundo – da articulação indígena à bancada ruralista, do partido da Igreja Universal ao Movimento Negro – mas que, mesmo assim, segue gritando em todo canto a ‘falta de governabilidade’ ou de condições favoráveis pra fazer o básico para nosso povo: revogar reformas golpistas de Temer e Bolsonaro, romper relações com “o estado de Israel”, demarcar terras indígenas e quilombolas, ir pra cima dos militares, enfim, qualquer pequena vitória é impossível pela via da conciliação e da reforma por dentro.

Em momentos como esse, em que os projetos “contra o fascismo” e “em defesa da democracia” se apresentam como gestores pacíficos da ordem e apaixonados pelas coisas como estão, as ideias falsamente radicais e transformadoras da extrema-direita parecem apontar para alguma saída e seduzem parcelas de trabalhadoras/es.

A espiral de crises e derrotas que vivemos nas últimas décadas não pode ser superada por uma troca de governo ou uma ocupação dos parlamentos. 

Não se trata de defender em abstrato o voto nulo ou a ausência nas urnas, mas de defender a construção de movimentos e a participação nas lutas concretas da nossa gente: nos sindicatos, nas empresas, nos coletivos, nas associações de moradoras/es, nos grêmios estudantis e centros acadêmicos. Em todos os espaços de estudo, trabalho e moradia, é preciso que a gente se junte com as e os companheiros e tente fazer frente aos ataques construindo movimentos de luta e ação direta por fora das ilusões dos parlamentos e das urnas.

  • Defendemos o fim dos ataques aos nossos direitos e a luta contra a privatização da saúde e da educação nos nossos municípios.
  • Queremos uma cidade organizada pelas trabalhadoras e trabalhadores, onde possamos decidir sobre o orçamento e sobre as políticas municipais.
  • Precisamos de cidades que enfrentem as mudanças climáticas, que não se tornem um pesadelo a cada seca, onda de calor ou chuva forte. 
  • Precisamos e defendemos um SUS qualificado, ampliado, com foco na atenção primária, com profissionais bem remuneradas/os e sob controle de quem usa.
  • Queremos o fim imediato dos manicômios e nenhum dinheiro público para as comunidades terapêuticas. Mais investimento e mais qualidade nos CAPS e nas políticas de cuidado em saúde mental.
  • Queremos vagas nas creches e nas escolas para todas as crianças e professoras/es bem pagas com dignidade no trabalho.
  • Queremos um transporte 100% público e de graça, todos os dias, com qualidade para acessarmos nossas cidades.
  • Defendemos uma cidade das pessoas, contra a especulação imobiliária e a privatização dos espaços públicos. 
  • Defendemos que todos os imóveis vazios e desocupados sejam destinados para moradia popular, que não tenha mais nenhuma pessoa sem-teto nas nossas cidades.

Sonhamos e lutamos por uma cidade feita com as nossas mãos e com espaço para nossos desejos, com direito de ir e vir, com acesso aos equipamentos e locais públicos, com qualidade nos serviços e boa pra toda a classe trabalhadora de todas as idades.

E sabemos que nossas demandas não cabem nas urnas porque as urnas são feitas para manter as coisas como estão. Não nos iludimos na construção de candidaturas e defendemos o fortalecimento dos movimentos populares com ação direta e independência, por fora dos palácios e de baixo pra cima.

Vote em quem vote, seguimos nas trincheiras, nas barricadas, nas greves e nos piquetes. Assim votam e lutam as e os anarquistas de ontem e de hoje.

CONSTRUA MOVIMENTOS, NÃO CANDIDATURAS!

NOSSAS URGÊNCIAS NÃO CABEM NAS URNAS!

ENFRENTAR A EXTREMA-DIREITA E OS ATAQUES AOS DIREITOS COM FORÇA POPULAR!

LUTAR E VENCER FORA DAS URNAS!

COORDENAÇÃO ANARQUISTA BRASILEIRA – CAB

2024