NÃO ESQUECER NEM POR UM DIA: FAZER MARIELLE PRESENTE
O esquecimento é uma das poderosas armas do capital contra a rebelde indignação dos povos. No Brasil, o esquecimento não é um efeito secundário, um mero detalhe, mas uma poderosa cola que liga e dá continuidade aos diferentes momentos e às diferentes conjunturas da história. O esquecimento é um marco fundante do Brasil, crucial para seu nascimento, sua consolidação como projeto de estado-nação e sua continuidade como entidade política e ferramenta de dominação dos povos nessa geografia.
Foi o esquecimento que declarou a independência por sobre os cadáveres indígenas e com os cofres cheios de uma riqueza produzida em regime brutal de escravidão; o esquecimento produziu uma aposta constante na legalidade, mesmo entre os setores mais massivos da esquerda; e a nossa constituinte cidadã, mesmo sendo fruto da luta popular, foi a institucionalização do esquecimento, celebrado com salves por sobre os gritos de tortura de companheiros e companheiras, muitas ainda ausentes.
Os cinco anos sem Marielle contam a história de mais um esquecimento. Neste momento do país em que há quem celebre “o amor vencendo o ódio” e o triunfo das amplas alianças, aqui, no lado radical das lutas populares, temos o costume de não esquecer.
Marielle Franco foi uma militante socialista, uma mulher preta LGBT, uma mãe moradora de periferia, uma parlamentar em pleno exercício do mandato, assassinada com nove tiros no centro da segunda maior cidade do país, com armas compradas pela polícia federal, executada por assassinos de aluguel ligados a oligarquias locais que trabalharam à serviço de forças que ainda desconhecemos, embora todas saibamos com certeza. Os tiros em Marielle foram, sem dúvida, um atentado contra todas nós.
A cidade, o país e diversos povos mundo afora ergueram-se em solidariedade, luto e indignação. O assassinato de Marielle e as perguntas que se sucederam viraram gritos em muitas línguas em muitas geografias – quem matou? Quem mandou matar Marielle?
Passados cinco anos, anos de uma conjuntura apertada, do esgoto fascista empoderado no centro do Estado, da pandemia feita em massacre de trabalhadoras, que normalizou a morte em tempo real, todos os dias, Marielle concentra ainda hoje, talvez ainda mais, o ecossistema de desgraças impostas ao povo trabalhador nesse país e, ao mesmo tempo, as diferentes formas que assumem as lutas e resistências das de baixo, tudo isso ao mesmo tempo contido na história de uma execução no centro da segunda maior cidade do país, na história de uma militante cuja vida foi dedicada à luta feminista, socialista e antirracista e cuja morte foi encomendada de dentro de luxuosas mansões.
Por tudo isso, lembrar Marielle é não aceitar que se imponha o pacto de esquecimento, é não se aliar com os golpistas e os liberais que celebram sua morte, é não trocar a força das classes oprimidas pela aliança costurada com os de cima em nome de uma governabilidade abstrata e simbólica, é não trair sua memória ao jogar sua fora um legado de lutas em nome do fetiche eleitoral.
Lembramos Marielle denunciando quem a esquece: o PSOL da Marielle, que a cada 14 de março se importa menos em tomar as ruas radicalmente para lembrar e seguir sua luta e a cada eleição se torna menos socialista e menos independente, afirmando cada vez mais sua condição de linha auxiliar de um governismo rebaixado e aliado com a direita; seus companheiros, alguns deles grandes expoentes das lutas de esquerda no Rio de Janeiro, que hoje falam de sua memória sem concretizá-la em uma radicalização das lutas; os militantes dos coletivos e organizações que compram o pacto de esquecimento, projeto político da burguesia, e insistem em não lembrar de Marielle em nada que não sejam as estampas das camisetas…
Contra esse pacto, contra quem o normaliza, contra quem segue apostando na legalidade do Estado que matou Marielle, contra quem aperta a mão e senta na mesa com seus assassinos ou mandantes de se assassinato, igualmente nos erguemos em denúncia e disposição: nós não esqueceremos porque levamos a vida a sério e levamos a morte de cada companheira, de cada militante, como uma dor viva em nossos corações e materializada em nossa prática política.
Como anarquistas, lembramos Marielle ao radicalizar a nossa luta, ao saber por que a assassinaram e ao dizer que, sabendo disso, seguiremos firmes seu legado, apontaremos que o estado brasileiro é esse instrumento racista de perpetuação da violência que é o capitalismo nessa geografia e dizendo, uma vez mais, que não há saída fora da construção do povo forte e organizado capaz de arrancar direitos e caminhar rumo ao mundo que, temos certeza, Marielle também sonhava para o futuro.
Lembramos Marielle ao não compactuar com a militarização da vida, com a criminalização da pobreza, com o genocídio sistemático da juventude pobre e preta no país, com a periferização das cidades e com a violência como único modo possível de relação entre as pessoas. Lembramos Marielle ao não arredarmos pé do espaço privilegiado da política: as ruas, os bairros populares, os coletivos do povo, as barricadas, cada um dos espaços de trabalho, estudo ou moradia onde for possível juntar gente, como Marielle sabia fazer e, juntas e juntos, denunciar a tirania do mundo e sonhar e construir uma outra coisa por fora dos grandes acordos, feitos em salas refrigeradas de terno e gravata com os inimigos do povo.
Aos cinco anos de seu brutal assassinato – não um erro, um excesso, um desvio ou uma exceção, mas uma orquestrada ação bem sucedida desse Estado terrorista -, estendemos nosso ombro amigo em solidariedade às companheiras, amigas, familiares de Marielle; e estendemos nossas bandeiras de luta e de enfrentamento contra o capitalismo brasileiro e suas instituições – sempre funcionando tão bem – que perpetuam a desigualdade e a miséria e ameaçam o povo que luta, atirando em uma para amedrontar a todas.
Não arredaremos pé na luta pela memória, seguiremos perguntando quem mandou matar Marielle e exigiremos a justa punição e a justa resposta a esse assassinato político e a esse terrorismo de estado: um povo forte e organizado que vai construir o próprio futuro feito de gente como Marielle, uma luta que enterre em definitivo as políticas de genocídio e as invasões militares em nossos territórios.
POR MEMÓRIA, VERDADE E RESPOSTA
NÃO ESQUECER E NÃO PERDOAR: MARIELLE SEGUE PRESENTE
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